Pesquisadores da Univille e da USP querem chamar a atenção da comunidade científica para os sintomas neurológicos em pacientes com o Covid-19, que vêm crescendo nos relatos com a propagação do vírus pelo mundo. “Antes, acreditava-se que ocorriam com frequência baixa e que logo desapareceriam, mas o cenário mudou, mostrando possíveis efeitos mais graves e prolongados”, alerta o professor e pesquisador da Univille, o neurologista Marcus Vinícius Magno Gonçalves. “A questão pode ser mais grave que o notificado previamente, com possível impacto no prognóstico, no tratamento e nas sequelas”, enfatiza.

Segundo ele, a prevalência dos sintomas neurológicos varia de local para local. No mundo, a proporção dos sintomas a curto e médio prazo é muito variável até o momento, informa o neurologista. “Mas podemos estar minimizando a realidade.  Temos que lembrar dos casos não contabilizados, de pacientes em que a Covid-19 evoluiu muito rápido para a morte”, avalia. No mundo, as mortes provocadas pela doença já somam 328 mil, e o número de infectados ultrapassou a marca de 5 milhões.

A preocupação dos cientistas das duas universidades brasileiras levou, há seis semanas, a uma revisão não sistemática de artigos publicados em revistas científicas sobre pesquisas relacionadas à questão, disponível na plataforma preprints.org. O artigo brasileiro publicado na plataforma mostra estudo feito na China que constatou sintomas neurológicos em 24% dos 218 pacientes de Covid-19 analisados e que estavam hospitalizados. Os dados foram coletados entre 16 de janeiro 2020 e 19 de fevereiro de 2020.

Segundo o pesquisador da Univille, um dos autores do artigo, a quantidade de casos relatados e documentados pelos chineses mostra que a prevalência dessas patologias é muito maior do que se acreditava. As complicações neurológicas constatadas atingem o Sistema Nervoso Central (SNC) e o Sistema Nervoso Periférico (SNP). Os pacientes com problemas no SNC foram associados a casos mais graves de Covid-19. Os sintomas mais frequentemente relatados pelos infectados foram a perda do olfato (anosmia) e a diminuição do paladar (disgeusia).

A hiposmia (redução do olfato), sintoma tratado como relevante pela comunidade médica em um recente estudo europeu com 417 pacientes de Covid-19, mostrou disfunções de olfato e paladar em cerca de 86% e 88% deles, respectivamente. Os pesquisadores também ficaram impressionados com a incidência de AVC isquêmico e hemorrágico em pacientes com menos de 50 anos associada à infecção pelo coronavírus, constatada na pesquisa chinesa.

Em entrevista ao Jornal da USP, um dos autores do artigo brasileiro e que estuda uma vacina contra o coronavírus, Jean Pierre Schatzmann Peron, coordenador do Laboratório de Interações Neuroimunes do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, contou que está empenhado em tentar entender como o vírus acessa o sistema nervoso central. "A gente se baseia em outros coronavírus humanos, causadores de Síndrome Aguda Respiratória Grave (SARS) e da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), que passam de um neurônio a outro até atingir o sistema nervoso central", explicou Peron ao Jornal da USP. "Mas ainda é especulação, pois muito pouco se sabe sobre os mecanismos de ação da Sars-CoV-2."

Perfil da pandemia

Santa Catarina deverá ser o primeiro estado brasileiro a incluir dados neurológicos em estudo científico, que vai avaliar o perfil clínico e epidemiológico de pacientes com suspeita de Covid-19 atendidos no Centro de Triagem do Coronavírus instalado na cidade.

A investigação está sendo conduzida por pesquisadores do curso de Medicina da Univille, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Joinville, e é coordenada pelo professor, pesquisador e infectologista Luiz Henrique Melo, que coordena o Centro de Triagem do Coronavírus de Joinville. Os dados começaram a ser coletados em maio.

O objetivo é montar um banco de dados com informações que mostram o comportamento local da pandemia, como características de saúde das pessoas infectadas (comorbidades), bairros mais atingidos e velocidade de disseminação da doença. Também, está incluída na pesquisa a avaliação do perfil de conduta recomendada para os pacientes, incluindo isolamento social, quarentena, encaminhamento ao Pronto-Atendimento ou à Unidade Hospitalar.

A coleta de dados está sendo realizada por acadêmicos do 6º ano de Medicina da Universidade, sob supervisão de um médico responsável, e vai durar até agosto de 2020. A investigação vai ser feita em pacientes com idade igual ou superior a 18 anos com suspeita da doença atendidos pelo Centro de Triagem no período de maio a agosto deste ano. Um estudo de coorte vai acompanhar os pacientes durante 30 a 60 dias após o atendimento presencial, com o objetivo de identificar novos sintomas que possam ter surgido de modo tardio.

Participam do estudo os professores de Medicina Glauco Adrieno Westphal, Luiz Henrique Melo, Marcus Vinícius Magno Gonçalves, Paulo Henrique Condeixa de França e os acadêmicos de Medicina Maitê Beatriz Bruckheimer Eger e Nayme Hechem Monfredini.